Essa história aconteceu há muito tempo, na pequena cidade de realeza. Uma cidadezinha do interior, aconchegante, daquelas que todo mundo conhece; que tem uma praça central, onde todos se encontram, e uma igreja bonita no final dela, onde o sino bate calmo e forte.
E nesse lugar nasceu um menino que levou muito a sério o nome da cidade. Um garoto egoísta que se sentia um Rei, mas era filho de um casal humilde. Ele não aceitava as roupas que a mãe, com tanto trabalho dedicação, costurava; não gostava dos sapatos de segunda linha que seu pai comprava depois de arrecadar um misero dinheiro com a colheita do milho.
O menino foi crescendo e a cada dia se tornava mais egoísta. Destratava, cada vez mais, os pais, mesmo que eles fizessem de tudo para suprir os seus caprichos.
Os anos se passaram e o menino, esperto como só, entrou na escola e logo de cara encantou a professora com a sua inteligência. Depois de seis meses, já era o melhor aluno da escola. Então, a professora convocou os pais para uma reunião. Ela elogiou muito o garoto, chegou a dizer que ele era superdotado e tinha tudo pra ser um daqueles doutores que a mãe sempre ouvira falar com tanto respeito. O pai do menino, um semianalfabeto, que teve que abandonar a escola, ainda novo, para trabalhar na roça e que por isso só sabia assinar seu nome, não se aguentava de tanto orgulho. Quanto mais a professora falava, mais ele chorava de tanta emoção. Era uma emoção inexplicável, dois pais tão humildes, mas que conseguiram criaram um filho que podia ser doutor.
Mas todos estes elogios não fizeram bem ao menino. Usando toda a sua arrogância e soberba, percebeu que ser Rei de realeza não bastava; era inteligente demais para governar aquela pequena cidade e bom demais para aquele povo humilde de conversa baixa que se reunia na praça para contar causos.
Depois de concluir isso, no alto da sua petulância, ele renegou os pais humildes. Disse a eles que a “cidade é pequena demais para mim, quero ser um doutor e aqui não vou conseguir, sei que o senhor tem um dinheiro guardado, e como não tem onde cair morto, quando morrer não terei nenhuma herança. Então seja justo e me dê este dinheiro. Quero ir para a capital estudar, ser um doutor, rico e nessa cidade de caipiras nunca mais pisar.” O pai, com os olhos marejados, foi em seu quarto, pegou o dinheiro, que com muita dificuldade havia economizado, e deu ao filho sem titubear. A mãe, ao ver a cena, pegou a colcha de crochê branca que estava terminando de fazer e deu ao filho, para que não sentisse frio. Ele pegou o dinheiro e a colcha e seguiu viagem. Estava muito seguro de que em Realeza nunca mais iria voltar.
O garoto foi para Belo Horizonte e anos depois se formou como melhor aluno da faculdade de direito da cidade. Mas não parou por aí, se enturmou com a alta sociedade. Pela elite ele era respeitado por sua inteligência e esperteza. Um tempo depois de formado, em uma destas festas finas, ele conheceu uma linda mulher, uma princesa, filha de um político. Logo percebeu que era a princesa que, ele como Rei, transformaria em rainha. Em pouco tempo casaram-se e, embora, o status social dela tivesse sobressaído primeiramente, ele percebeu que casar com ela foi a melhor coisa que tinha feito. Ele amava-a verdadeiramente.
Agora, além de advogado, aquele menino tinha virado um herdeiro político de seu sogro, um homem justo e honesto que só tinha uma filha. O sogro confiava muito nele, pois percebia o quanto ele gostava da filha e como era inteligente, enxergava nele um ótimo sucessor.
Tempos depois, com a ajuda da influência e dos contatos do sogro, ele foi eleito Prefeito de Belo Horizonte. Enfim,havia chegado ao topo do poder. Na mesma época, ele teve o primeiro filho. A criança amoleceu o coração daquele homem arrogante.
Ao longo dos anos a vida foi moldando-o cada vez mais. Ele cumpriu, com honestidade e alegria, seus 8 anos de mandato. Mas, logo depois, teve uma das maiores tristezas de sua vida: seu sogro faleceu depois de um infarto. Ele sentiu na pele a dor de perder uma pessoa querida e teve que suportar ver sua esposa amada desfazer-se em lágrimas pelo ocorrido. O filho, já com oito anos, ainda uma criança entendia por que o avô tinha ido embora. E a falta do querido vô fez com que ele começasse a perguntar insistentemente sobre outro vô que não conhecia. O pequeno indagava: “Papai, onde está meu outro vovô; na escola fiquei sabendo que todas as crianças têm dois avôs e eu só conheci.” O pai embaraçava-se cada vez que o menino dizia isso. Cortava seu coração não saber notícias dos pais.
Num desses dias, pensando na vida, ele encontrou a velha caixa, na qual guardava todas as suas recordações. Dentro dela achou a colcha de crochê que sua mãe havia lhe dado de presente, no dia em que ele foi embora. Lembrou-se, então, que depois daquele dia nunca mais havia tocado na colcha.Com grande emoção, desdobrou-a e colocou-a no colo. Ele fechou os olhos e sentiu o cheiro da sua antiga casa que ainda estava grudada na colcha. Foi nesse momento que ele se ajoelhou e pediu a Deus um milagre, um sinal, ou qualquer outra coisa que o fizesse voltar. Foi então que sentiu uma picada na mão. Quando olhou era um alfinete enferrujado que estava pregado na colcha, nele tinha um bilhetinho com a letra garranchada de sua mãe, escrito: “Meu amado filho, sei que o mundo você vai conhecer, mas se um dia a saudade bater e a falta de casa você sentir, aqui está o endereço onde seus pais sempre estarão. Quando decidir vir um dia, mande uma carta que é só pra gente se preparar e te receber da melhor maneira possível.” Foi então que ele tornou-se um menino novamente e começou a chorar. Agradeceu a Deus por uma segunda chance e pedia perdão por toda arrogância e mal que fez seus pais passarem.
Sem esperar nenhum dia, ele escreveu a carta, endereçada ao destino que estava no bilhetinho da mãe. Nela contou que havia se tornado bem sucedido, mas que trocaria tudo pelo perdão dos dois e que estava indo para Realeza com o filho e a esposa para ver os pais que um dia ele renegou. E no final da carta ele escreveu: “lembro que quando o trem entra na cidade é possível avistar vossa casa. Então, se vocês me perdoam, por favor, me deem algum sinal para que eu saiba que me querem bem, caso contrário, para Belo Horizonte retornarei.”
Ele enviou a carta, aguardou dois dias para que ela chegasse à Realeza, arrumou as malas, pegou sua família e partiu no trem rumo ao interior.
A viagem era longa e duraria 2 dias. Em cada dia, fariam uma parada; a última era em Realeza. Na primeira parada, ele ainda estava cheio de dúvidas sobre estar fazendo a coisa certa, pois, caso seus pais não lhe perdoassem, seria uma dor insuportável. Foi então que conheceu um grupo de pessoas que se intitulavam “Os mensageiros” que se nominavam por palavras de sentimentos bons, tais como alegria, amor e solidariedade. O grupo vivia nesta cidade e tinha a missão de animar as pessoas que passavam pela estação. No segundo dia, ele estava mais alegre e mais seguro. Fizeram a segunda parada em uma cidade maravilhosa chamada Formosa, onde conheceram um casal de velhinhos simpáticos e humilde que contaram que não viam o filho há muito tempo. Isso fez a saudade dos seus velhos aumentar. Assim, ele deixou a penúltima parada e partiu para o lugar tão esperado.
Quando o trem, enfim, saiu do meio das montanhas, eles avistaram a cidadezinha que o garoto havia deixado anos atrás. Parece que o tempo tinha parado naquele lugar. Tudo era do mesmo jeito: a praça cheia de pinheiros e abacateiros, a igreja pintada de marfim, o mercadinho na esquina da avenida principal. Observando cada detalhe foi que ele então percebeu ao diferente que o fez se desmanchar em lágrimas. Ele avistou sua antiga casinha que tinha pendurada na janela uma colcha de crochê branca, assim como aquela que a mãe havia lhe dado anos atrás. Mas não foi só isso, a cidade toda estava repleta de colchas penduradas: nas janelas, nos varais, nos postes, nas sacadas, e até na cruz da antiga igreja tinha uma linda colcha branca. A surpresa foi tão grande que ele quase não se conteve. Parados na porta principal da estação de trem lá estavam dois senhores de idade, já com os cabelos branco, segurando uma colcha branca com suas mãos enrugadas. Eram seus pais, os mesmos que ele havia humilhado anos atrás. Os pais que ele havia abandonado para buscar seus sonhos, mas que mesmo assim, não sentiam raiva dele. A única coisa que eles sentiam era saudade. Os três se abraçaram forte, como nunca haviam feito antes. Emocionado, o novo menino apresentou a esposa e o filho a eles. Eles se cumprimentaram e passaram um final de semana feliz.
Hoje, em todas as férias, fim de ano e feriados o novo menino leva a família para passear na casa dos velhos pais.
Texto: Vinicius Fortunato
Agradeço a minha amiga Andrezza Lima pela edição do texto !
Visitem o blog dela: http://peripeciasdeumavidaecia.blogspot.com.br/ :)